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O Concerto dos Girassóis

Numa manhã resplandecente, quando o sol bordava de ouro o céu azul, a corça Salémia despertou sob a sombra de um grande carvalho. Ela não era como as outras corças, suas pernas eram talhadas para a dança e seu coração, um berço de melodias jamais ouvidas. O campo de girassóis que se estendia além dos olhos era o seu recanto, onde cada pétala parecia acenar em harmonia com seus movimentos graciosos.

Ao longe, um velho piano de cauda desgastado pelo tempo, com teclas já não tão brancas, solitário e imponente, repousava no coração do campo. Contava-se que a música que dali emanava poderia tocar os céus e fazer a chuva dançar, mas havia muito ninguém conseguia fazê-lo cantar. A corça, movida por um ímpeto aventuroso e sedenta por desvendar o mistério, galgou leve até o majestoso instrumento.

— Bom dia, piano misterioso! — cumprimentou ela tomada de alegria, inclinando graciosamente sua cabeça. — Por que repousas aqui tão só nesses vastos campos e não compartilhas tua música?

O piano, surpreso por ser notado depois de tantos anos em silêncio, suspirou num som quase esquecido e respondeu:

— Ah, jovem Salémia, meu som outrora preenchia o ar e alegrava o coração daqueles que me acompanhavam. Mas meus amigos se foram, e agora, sem eles, minha música se silenciou.

Salémia, comovida e já encantada pela ideia de ouvir a melodia oculta nas cordas do velho piano, propôs:

— Que tal tentarmos tocar uma canção juntos? Talvez eu possa dançar enquanto tocas. Seria tão mágico!

No entanto, antes que pudessem começar, um homem surgiu por entre os girassóis como um piparote do destino, trazendo consigo o som de suas botas ressoando num ritmo que parecia querer falar com o silêncio. Ele era alto e portava um chapéu de palha desfiado, e em sua face marcada pelo sol e pelo tempo, um sorriso suave, quase um convite para uma prosa sob as estrelas.

— Bom dia, dama da dança e senhor das canções esquecidas — disse o homem com uma voz que parecia ter sido moldada na terra e polida pelo adro dos dias. — Chamo-me Horácio, e me perdi dos meus enquanto procurava novas músicas para semear neste campo de maravilhas.

Salémia, que sabia bem como acalentar aqueles que se sentiam desencontrados, aproximou-se de Horácio e sugeriu:

— Junte-se a nós! Vamos fazer deste campo não apenas uma tapeçaria de flores, mas também um palco de melodias e um espetáculo de dança.

Horácio, que também carregava um amor secreto pela música, concordou de imediato. Ele possuía mãos mágicas que haviam domado as cordas de violões e outros instrumentos, mas nunca teclas de marfim e ébano.

Então, com os primeiros toques hesitantes, o piano começou a cantar. E a música que brotava era tímida, como se atemorizada por falhar diante de ouvidos tão esperançosos. Mas Salémia não desanimou. Com um salto grácil, suas patas tocavam o solo e cada toque parecia encorajar as notas a serem mais firmes, mais confiantes.

Horácio observou maravilhado, e sem demora, colocou suas mãos sobre as teclas acompanhando a melodia. A música cresceu, ganhou altura e cor. Um caleidoscópio sonoro desabrochava ali, inundando o campo de girassóis que agora, mais do que nunca, pareciam escutar reverentes.

O concerto improvisado começou a atrair outros habitantes do campo e das florestas ao redor. Pássaros pousavam nas ramificações mais próximas, suas sinfonias de gorjeios acompanhando o piano. Pequenos roedores se arriscavam em piruetas nos capins, enquanto Salémia transformava cada acorde numa tradução corpórea de pura beleza.

Horas se passaram, e o campo de girassóis transformou-se em um grandioso teatro ao ar livre, onde a arte ecoava e enraizava-se como sementes de novas possibilidades.

Ao término daquela apresentação singular, os três artistas – a corça, o homem e o piano – repousaram lado a lado em gratidão mútua.

— É verdade — exclamou Salémia entre suspiros de uma alegria tranquilizadora. — Juntos, somos mais fortes e a música que criamos é a prova disso.

E Horácio, olhando para além dos girassóis que dançavam ao sabor do crepúsculo, sussurrou:

— E é essa música que nos uniu hoje sob o sol que sempre promete voltar para abraçar o mundo novamente.

Cada um à sua maneira entendeu que a união de seus dons era a chave para algo que ultrapassava suas expectativas. Juntos, Salémia, Horácio e o velho piano haviam composto uma obra inesquecível e restaurado a harmonia que parecia esquecida naquele canto de paz e poesia.

O concerto dos girassóis seria apenas o começo de muitas outras melodias e danças que viriam e, tal como o sol beijando o horizonte, a música daquela amizade brilharia sempre, contanto que houvesse um amanhã e um coração a escutar.

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